sexta-feira, 13 de abril de 2012

[b]O Candomblé de Caboclo em São Paulo


O caboclo é a entidade espiritual presente em todas as religiões 

afro-brasileiras, sejam elas organizadas em torno de orixás, voduns ou inquices. 
Pode não estar presente num ou noutro terreiro dedicado aos deuses africanos, 
mas isto é exceção. Seu culto perpassa as modalidades tradicionais 
afro-brasileiras — candomblé, xangô, catimbó, tambor de mina, batuque e outras 
menos conhecidas —, constitui o cerne de um culto praticamente autônomo, o 
candomblé de caboclo, e define estruturalmente a forma mais recente e mais 
propagada de religião afro-brasileira, a umbanda. A origem dos candomblés de 
caboclo estaria no ritual de antigos negros de origem banto, que na África 
distante cultuavam os inquices — divindades africanas presas à terra, cuja 
mobilidade geográfica não faz sentido — e que no Brasil viram-se forçados a 
encontrar um outro antepassado para substituir o inquice que não os acompanhou à 
nova terra. Neste novo e distante país, que antepassado cultuar senão o índio, o 
caboclo, como diziam os antigos nordestinos? Os antigos habitantes, quem senão o 
verdadeiro e original "dono da terra"? (Santos, 1995).
Apesar de 
preponderantemente identificados como índios, há caboclos de diferentes origens 
míticas, como boiadeiros, turcos e marinheiros ou marujos. Caracterizam-se, em 
geral, pela comunicação verbal e proximidade de contato com o público que 
freqüenta os terreiros. Eles brincam, entoam cantigas e tiram as pessoas para 
dançar ao som de seu alegre samba. Além da animação, outra característica 
marcante é seu poder de cura e a disposição para ajudar os necessitados, mais a 
sabedoria. Acredita-se que os caboclos conhecem profundamente os segredos das 
matas, podendo assim receitar com eficácia folhas para remédios e banhos 
medicinais. No imaginário popular, o caboclo é a um só tempo valente, destemido, 
brincalhão e altruísta, capaz de nos ajudar para o alívio das aflições 
cotidianas. As pessoas que acorrem aos cultos afro-brasileiros, sobretudo as 
mais pobres, encontram nesta entidade um sábio curandeiro, sempre pronto a vir 
em socorro dos aflitos.
O termo candomblé de caboclo teria surgido na Bahia, 
entre o povo-de-santo ligado ao candomblé de nação queto, originalmente pouco 
afeito ao culto de caboclo, justamente para marcar sua distinção em relação aos 
terreiros de caboclos. Nos anos 30, de acordo com relato da antropóloga 
americana Ruth Landes, que esteve na Bahia num período entre 1938 e 1939, 
usavam-se as expressões mãe cabocla, seita cabocla, candomblé de caboclo em 
oposição aos termos dos candomblés africanos. De uma visita que fez ao terreiro 
de Mãe Sabina, famosa sacerdotisa cabocla, Ruth Landes registrou um diálogo 
significativo entre esta mãe-de-santo e outras mulheres do templo, diálogo do 
qual vale a pena relembrar este trecho:
Uma das mulheres, referindo-se à 
americana, pergunta a Mãe Sabina:
"Ela sabe qual é a nossa seita? Sabe que 
somos caboclos e os outros são africanos?


Ao que responde Sabina:

A senhora deve saber essas coisas. Este templo é 
protegido por Jesus e Oxalá e pertence ao Bom Jesus da Lapa. É uma casa de 
espíritos caboclos, os antigos índios brasileiros, e não vem dos africanos 
iorubás ou do Congo. Os antigos índios da mata mandam os espíritos deles nos 
guiar, e alguns são espíritos de índios mortos há centenas de anos. Louvamos 
primeiro os deuses iorubás nas nossas festas porque não podemos deixá-los de 
lado; mas depois salvamos os caboclos porque foram os primeiros donos da terra 
em que vivemos. Foram os donos e portanto são agora nossos guias, vagando no ar 
e na terra. Eles nos protegem. (Landes, 1967, p. 196).
Hoje, na diferenciação 
com outras nações de candomblé, como queto, jeje, ijexá, efã, angola e congo, 
fala-se numa nação caboclo[1], mas raramente pode-se encontrar um candomblé de caboclo 
funcionando independentemente de um candomblé das outras nações. Embora muito 
associado ao candomblé angola, o rito caboclo já começava, à época da visita de 
Landes à Bahia, a ser incorporado também a candomblés de nação queto.
Na 
disputa por legitimidade e prestígio, os candomblés de caboclos foram 
considerados inferiores tanto pelo povo-de-santo como pelos pesquisadores, que 
deles escreveram muito pouco. O primeiro trabalho científico tratando com 
profundidade do candomblé de caboclo somente apareceu em 1995, com a publicação 
do livro O dono da terra, tese de mestrado defendida na USP pelo antropólogo 
baiano Jocélio Teles dos Santos. A dissimulação e mesmo a negação do culto aos 
caboclos nos terreiros marcados pela ortodoxia nagô, entretanto, mantém-se até 
hoje, sendo comum a acusação de que em tal ou qual terreiro queto que não tem 
caboclo, a mãe-de-santo ou outra pessoa de prestígio recebe seu caboclo 
escondido ou, no mínimo, lhe oferece sacrifícios na mata. Apesar de considerado 
inferior, o candomblé de caboclo impregnou-se nas demais nações e por meio delas 
propagou-se pelo País. De seu encontro com o espiritismo kardecista, que 
resultou num grande embate ético, nasceu, no Rio de Janeiro dos anos 30, a 
umbanda, com o desenvolvimento de ritos, ritmos e panteão particulares. O velho 
candomblé de caboclo continuou, contudo, com vida própria e, num outro 
movimento, chegou de novo ao Rio de Janeiro e São Paulo, sempre associado ao 
candomblé de orixá e inquice, mas separado da umbanda. E como tal se mantém e se 
reproduz.
No candomblé de caboclo há predominância de muitos elementos do 
candomblé angola, os atabaques são tocados com as mãos, as músicas são cantadas 
em português, com uso freqüente de termos rituais de origem banto. O apelo a uma 
cultura indígena, quase sempre idealizada, proporciona ao candomblé de caboclo 
uma valorização de elementos nacionais, fazendo dele, na concepção popular, uma 
religião "brasileira por excelência". Elementos simbólicos nacionais são 
ressaltados, como a menção às matas, as cores verde e amarelo, o sincretismo 
católico e a miscigenação racial. Em todo seu repertório musical fala-se muito 
desse amálgama cultural que é o Brasil. Esta matriz cabocla foi inteiramente 
absorvida pela umbanda, que na forma é um candomblé de caboclo, mas que contém 
uma elaboração ética da vida que separa o bem do mal nos moldes kardecistas 
completamente ausente na tradição cabocla e que fez da umbanda uma religião 
diferente e autônoma.
Hoje o candomblé não é mais uma religião étnica 
circunscrita à população negra, pois já se espalhou pela sociedade branca 
abrangente, rompendo preconceitos e fronteiras geográficas, inclusive para fora 
do País. Legitimou-se como mais uma opção religiosa e vem aos poucos garantindo 
seu espaço no disputado mercado religioso contemporâneo. A propagação desta 
religiosidade na populosa Região Sudeste, a partir dos anos 60, deu-se 
principalmente a partir dos terreiros umbandistas que aí existiam desde os anos 
30 e 40. Numerosos filhos-de-santo da umbanda aderiram ao axé da tradição 
negro-baiana, cuja força vital era por eles considerada mais forte. A busca 
mágico-religiosa da satisfação de anseios do metropolita moderno tornou o 
candomblé uma religião universalizada, isto é, agora aberta a todos. É eloqüente 
o caso da fixação do candomblé em São Paulo (Prandi, 1991). Com o orixá, o 
inquice e o vodum do candomblé veio o caboclo do candomblé, que é ritualmente e 
doutrinariamente diferente do caboclo da umbanda.


No contexto da transformação religiosa que trouxe o candomblé do Nordeste para o
Sudeste, que ainda encontra-se em curso, os caboclos certamente têm sido
protagonistas decisivos, afinal seu culto foi mantido e está presente hoje em
quase todos os terreiros de candomblé, sejam eles de rito angola, queto ou
efã.
O candomblé de caboclo atualmente é praticado paralelamente ao
culto de divindades africanas, estando associado aos terreiros de inquices,
orixás e voduns. Tudo se passa como se houvesse duas atividades religiosas
independentes, podendo mesmo se observar separação dos espaços físicos, não se
misturando caboclo com orixá. Mas o pai ou mãe-de-santo é obviamente a mesma
pessoa, assim como os ogãs alabês, os tocadores de atabaque, e outros
sacerdotes. Enquanto o candomblé dos deuses exige um complexo e demorado
processo de iniciação, no candomblé de caboclo não há propriamente algo
correspondente à "feitura de santo". Noviços passam a freqüentar os toques,
podendo receber o encantado sem nenhuma preparação preliminar baseada em longo
período de clausura. Num mesmo terreiro, há filhos "feitos", iniciados, para
orixás-inquices que também recebem seus caboclos, mas é possível observar número
expressivo de filhos que recebem caboclo e participam ativamente do candomblé de
caboclo, mas que nunca são iniciados para a divindade africana, comportando-se
ritualmente nos toques de orixás como simples abiãs, iniciantes. Também não
participam das cerimônias sacrificiais aos orixás, reservadas aos filhos de
orixá "feitos". Em muitos terreiros, contudo, primeiro observa-se a iniciação do
filho-de-santo para o orixá, ocorrendo depois, geralmente na obrigação de um
ano, a "chamada" do caboclo, que então incorpora no novo filho, podendo ser
batizado ou não em cerimônia descrita mais adiante.
Diferente da umbanda, o
caboclo do candomblé recebe sacrifício, sendo suas festas públicas precedidas de
cerimônias de matança, com ofertas de aves, cabritos e bois. Em muitos
terreiros, a oferta de bois e novilhos é uma demonstração do poder sagrado do
caboclo e de seu prestígio junto aos filhos-de-santo. Suas festas podem ser
muito mais fartas e concorridas que as reservadas ao orixás. O caboclo de
candomblé, como os orixás, também pode ter assentamento, isto é, uma
representação de base material, com instrumentos de ferros e outras insígnias
fixadas numa vasilha, em geral um alguidar, junto ao qual se depositam as
oferendas: seu altar. Também pode ter seu quarto-de-santo, geralmente uma cabana
ou um espaço aberto ou semi-aberto localizado no quintal do terreiro, área que o
caboclo compartilha com orixás e inquices identificados com o mato e os espaços
abertos, como Ogum ou Incôci, Oxóssi ou Gomgobira, Ossaim ou Catendê.
Os
caboclos são espíritos dos antigos índios que povoavam o território brasileiro,
os antigos caboclos, eleitos pelos escravos bantos como os verdadeiros
ancestrais em terras nativas. São espíritos, não deuses. São eguns, na linguagem
do candomblé nagô. Ao caboclo índio também se designa "caboclo de pena",
referência aos penachos e cocares que usa quando em transe para marcar sua
origem indígena. Mas há também caboclos de outras procedências: os caboclos
boiadeiros, que teriam um dia vivido no sertão na lida do gado e que usam o
chapéu característico de sua antiga ocupação; os marujos ou marinheiros, sempre
cambaleantes por causa do "tombo do mar" que marca a vida nos navios. Alguns
caboclos são originários de lugares imaginários, como a Vizala ou a Hungria
No candomblé, os caboclos, que também podem ser do sexo feminino, são 

considerados filhos dos orixás e os próprios caboclos incorporados a eles assim 
se referem, quando dizem que foi o pai ou a mãe que os mandou vir à terra para a 
celebração do toque, ou quando vão embora e dizem que foi o pai ou a mãe que 
chamou. Estabelece-se assim uma correspondência entre a paternidade do caboclo e 
do filho-de-santo, de sorte que filhos de Oxum têm caboclos de Oxum, filhos de 
Xangô têm caboclos de Xangô e assim por diante. Vejamos uma lista de caboclos e 
caboclas com os respectivos orixás, notando como os nomes dos caboclos tendem a 
fazer referência a atributos do orixá:
Ogum - Caboclo do Sol, Pena Azul, 
Giramundo, Serra Azul, Serra Negra, Sete Laços, Trilheiro de Vizala, Sete 
Léguas, Rompe Mato, Laço de Prata;
Oxóssi - Mata Virgem, Pena Verde, Jurema, 
Arranca-Toco, Sete Flechas, Urubatam;
Ossaim - Junco Verde, Boiadeiro das 
Matas, Floresta, Guarani;
Omolu - Girassol, Tupinambá, Xapangueiro, 
Cambaí;
Nanã - Treme Terra, Cabocla Camaceti, Rei da Hungria;
Oxumarê - 
Cobra Coral, Cobra Dourada;
Xangô - Mata Sagrada, Boiadeiro Zamparrilha, 
Boiadeiro Trovador, Boiadeiro Corisco, Sete Pedreiras;
Iansã - Ventania, 
Vento, Jupira, Zebu Preto, dos Raios;
Obá - Pena Vermelha;
Oxum- Lua Nova, 
Lua, Jandaia, Cabocla Menina, Estrela Dourada, Sultão das Matas;
Logun-Edé - 
Laje Grande, Laje Forte, Bugari;
Iemanjá - Sete Ondas, Indaiá, Juremeira, 
Estrela, Sete Estrelas, Iara;
Oxalá - Pedra Branca, Pena Branca, Lua Branca, 
Águia Branca.



Caboclos e orixás são tratados nos candomblés como 
entidades de naturezas diferentes. Além das distinções de caráter meramente 
formal, há aspectos que os distinguem e que são importantes na relação que se 
estabelece entre cada um deles e seus devotos.
Todo filho-de-santo deve ser 
iniciado para um determinado orixá (ou inquice, ou vodum), que é considerado seu 
antepassado, seu pai ou mãe, sua fonte de vida. A iniciação implica recolhimento 
e ritos complexos que envolvem somas de dinheiro elevadas, nem sempre 
compatíveis com a extração social dos adeptos das religiões afro-brasileiras, em 
geral, pobres. O culto do caboclo não requer processo iniciático deste tipo, 
podendo ocorrer em algumas casas o batismo do caboclo, um ritual de confirmação 
bem mais simples que a "feitura".
Enquanto os deuses africanos vêm aos 
terreiros para dançar e falam apenas com algumas pessoas com cargos sacerdotais, 
os caboclos dirigem-se diretamente a todos que os procuram nos toques ou nas 
festas. Conversar é sua característica marcante. Todo caboclo é falante. Pode 
ser simpático ou carrancudo, amigável ou arredio, irreverente ou reservado, mas 
é sempre falador. Para se conhecer a vontade dos orixás é preciso recorrer ao 
jogo de búzios, que somente a mãe ou pai-de-santo pode jogar. Parecem um tanto 
distantes, portanto. Já os caboclos dizem o que sentem sem nenhuma mediação. A 
relação com o cliente é direta, face a face.
A língua é outro fator 
importante nesta distinção, pois grande parte das pessoas que vão aos terreiros 
não compreende as línguas rituais derivadas do iorubá, fom ou quicongo e 
quimbundo em que se cantam as cantigas. Nem mesmo a maioria dos filhos-de-santo 
sabe o que está cantando, pois as línguas rituais hoje são intraduzíveis. Aos 
caboclos, pelo contrário, canta-se em português. Suas cantigas são simples e 
sugestivas, com expressões e termos conhecidos do catolicismo tradicional e do 
imaginário popular. Um culto assim é menos afro e mais brasileiro, ou seja, mais 
"nosso" para muita gente.
Em alguns terreiros, os caboclos são concebidos 
como "mensageiros" dos orixás. Segundo alguns pais-de-santo, eles são 
transmissores das vontades divinas, afinal "eles falam o que os orixás não podem 
falar". Mãe Manodê, 78 anos, chefe do terreiro angola que foi o primeiro a se 
estabelecer em São Paulo como terreiro de candomblé, nos anos 60, diz:
caboclo é mensageiro dos orixás. Ele tem que fazer o que os orixás mandam: 
consulta, ebó da prosperidade, ebó da bênção... É o orixá que determina, aí 
então o caboclo pega o filho-de-santo para fazer ebó
Mãe Manodê, reforçando a idéia da subordinação deles aos orixás, afirma a 

importância dos caboclos como mediadores na relação dos clientes com os orixás, 
dizendo que afinal "eles sabem dar palestras", isto é, conversar com 
desenvoltura com fiéis e clientes, coisa que orixá não faz. Esta antiga 
mãe-de-santo baiana reivindica ainda para o candomblé angola a exclusividade da 
devoção aos caboclos: "O candomblé queto não cultua caboclo. O que existe hoje é 
invenção dessa gente. Caboclo sempre foi de angola, sempre, desde a Bahia. 
Depois o queto copiou."
Hoje em São Paulo dificilmente o caboclo pode ser 
usado como divisor de águas entre as nações de candomblé de origem banto e 
iorubá ou nagô, embora todos reconheçam que sua origem está inscrita nos antigos 
terreiros de candomblé angola e congo da Bahia, cujas expressões maiores são os 
terreiros do Bate Folha e o Tumba Junçara, ambos em Salvador, ambos centenários. 
O caboclo está presente nos candomblés de todas as nações. Não é cultuado em 
apenas uns poucos terreiros africanizados, embora haja terreiros africanizados 
com culto de caboclo. Mesmo terreiros tributários dos mais antigos terreiros 
queto da Bahia cultuam caboclo, ainda que o culto se resuma a uma única festa 
anual.

leiam texto completo no grupo http://www.groups.yahoo.com/group/boiadeirorei

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